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sexta-feira, 19 de abril de 2013

Reportagem Temática - Fernanda Fantinel


Fernanda Fantinel 2JOA

A Nova Roupa do Feminismo

Ao redor do mundo, garotas e mais garotas tiram as blusas para militar por diferentes causas. Fotos dessas manifestações todo mundo já viu, mas pouca gente conhece suas reais motivações.  O que está por trás desse chamado “novo feminismo” e o que ele significa para a sociedade?




                               É difícil definir o que é feminismo. Ele é contraditório, é paradoxal. Ao mesmo tempo em que não é organizado – uma de suas matrizes base é a da defesa do ser individual “mulher” e de suas próprias vontades, a liberdade dela em ser o que ela quiser ser, independente da hierarquização da sociedade – é organizado, não necessariamente de uma forma centralizada, mas sim de maneira que cada uma se torna dona de si mesma, de suas vontades e ações. O feminismo não luta por uma causa só – existem várias vertentes. Muitas delas, inclusive, batem de frente uma com a outra. Ele é mutável, como a maioria dos movimentos sociais, pois tem o objetivo de mudar estruturas inseridas na sociedade, que, por sua vez, também mudam de acordo com o tempo. Direito ao voto, por exemplo, não é mais uma necessidade pela qual as mulheres, na maioria dos países, precisem lutar. Isso não quer dizer que o feminismo praticado hoje, por ter outras motivações, não seja feminismo, pois seu cerne é o mesmo. O movimento também teve que se subdividir de acordo com os diferentes tipos de mulheres que existem, já que é impossível homogeneizá-las, criar um ideal de mulher que valha para todas e padronizar os direitos que elas deveriam ter (geralmente, quando não é especificada a cor, sexualidade ou classe social, estamos falando de uma mulher branca heterossexual de classe média, que não vivencia vários tipos de situações em que algumas outras se encontram, logo, não sente a necessidade de ter alguns direitos que seriam básicos para estas).        

                No Brasil, o movimento feminista começou a ganhar relevância nas décadas de 1910 e 1920, com a organização das operárias e tecelãs, e a criação de grupos como a Liga Para a Emancipação Internacional da Mulher (1920) e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922), além dos primeiros esboços de manifestações a favor do voto feminino (conquistado em 1934). No entanto, quando a ditadura militar chegou ao poder, em 1964, a luta das mulheres se fundiu com a luta pela volta da democracia, e a busca por seus direitos foi deixada um pouco de lado. Só a partir da década de 1990 as mulheres voltaram ao cenário midiático, com a obtenção de novos direitos e leis direcionadas a elas.


Atualmente
                Hoje, dois dos grupos considerados feministas que tem mais projeção na mídia nacional são a Marcha das Vadias e o FEMEN Brazil. Ambos vieram do exterior – o primeiro, do Canadá, e o segundo, da Ucrânia. Isso não quer dizer que sejam completamente distantes da realidade nacional. O FEMEN, por exemplo, teve, desde sua criação, a bandeira de acabar com o turismo sexual em seu país de origem. Essa abordagem não foi muito difícil de adaptar à realidade brasileira, de acordo com Sarah Winter, organizadora do movimento no país. A Marcha das Vadias, também, não fugiu muito de seu conceito inicial ao chegar aqui. Originou-se em Toronto, como uma forma de protesto que estudantes universitárias encontraram para se manifestar contra um policial que disse que as garotas não deveriam se vestir como vadias (sluts, em inglês) para não serem estupradas.
                O FEMEN ficou conhecido no mundo todo por ter manifestantes que protestavam sem blusa. A ideia do grupo é exatamente a de chamar a atenção da mídia, tentando conseguir ter espaço na sociedade para discutir os direitos de mulheres e crianças.  Ao marcharem pelas ruas gritando palavras de ordem e de topless, essas manifestantes buscam desconstruir a ideia a qual os seios estão ligados – como objeto sexual ou maternal – e usá-los como poder de luta. O grupo, no entanto, vive uma situação dúbia e enfrenta críticas de outras organizações feministas, pois, com a exposição de seus corpos as manifestantes ganham visibilidade, mas, não ficam claras para a população as causas que defendem. Fora a isso, muitas vezes, esta mesma população não concorda com o modo como agem. “Acredito que num país moralista e machista como o Brasil, a nudez tenha um impacto maior, talvez um impacto tão grande que a discussão não consiga ir além desse aspecto”, diz Bárbara Falleiros, uma das donas do blog Subvertidas e estudante da Universidade de Paris-Sorbonne.  
                Morando na capital francesa, Bárbara nota que a organização do local também é alvo de críticas, principalmente por não ter uma mensagem muito clara. Claire Piot, militante da associação feminista francesa Osez le féminisme!, disse, “Os seios de fora podem ser subversivos na Ucrânia, mas, na França, o corpo da mulher é bastante objetivado, instrumentalizado. Isso chama a atenção, é como um eletrochoque... mas não permite convencer ninguém”. Comprovando essa tese, um jornalista francês, não identificado, deu a seguinte declaração ao portal Rue 89: "À força de fotografar tanto os seios das Femen, nossa profissão esquece às vezes de falar de seus combates, do conteúdo. Ora, estes parecem muitas vezes dispersos”.        
                A sexualização e midiatização das integrantes, que ficaram mundialmente famosas por serem muito bonitas e estarem nuas (todas as manifestantes tem que, obrigatoriamente, protestar sem blusa), também é uma problemática que enfrentam. As fotos dos protestos que saem na mídia, em sua maioria, são das mulheres que se enquadram no que a sociedade atual considera ser belo – inclusive, segundo a ex-número 2 do FEMEN Brazil, Bruna Themis, que falou com o site Opera Mundi em 2012, o FEMEN original não aceita mulheres gordas ou fora de padrões atuais de beleza.      
                 O site das FEMEN Ucraniano também vende moldes dos seios das participantes, o que seria, numa discussão minimamente aberta, um ato duvidoso, visto que elas lutam pela desvinculação deles como objeto sexual.

Marcha das Vadias        
                Em contraponto, na Marcha das Vadias, as participantes podem comparecer como quiserem – com blusa, de topless, pintadas, com faixas ou cartazes. De acordo com Nádia Lapa, escritora do livro Cem Homens em Um Ano, a marcha tem como objetivo mostrar que o corpo da mulher pertence somente a ela mesma. Por isso, mesmo com críticas e possíveis desentendimentos por parte do público, algumas meninas escolhem ir com os seios a mostra.
                As passeatas, a cada ano, contam com um número maior de pessoas, já que todos podem participar. Carolina Silva, estudante da Faculdade Cásper Líbero, acredita que esse seja um ponto controverso da organização. “Acho que o fato de todo mundo poder participar tira um pouco da identidade do movimento, porque não tem uma causa coletiva”, diz.
                As marchas são quase que totalmente organizadas pela internet, e contam com um grande número de participantes jovens. Isso não é por acaso, opina Terezinha Vicente, do site  CIRANDA. Ela afirma que “cresce na juventude uma consciência de não aceitar mais as regras desse Estado mercantilizado e autodestrutivo, não aceitar mais suas imposições culturais, econômicas”, que ditam o que o indivíduo deve “comer, vestir, consumir”.         
                Dos que não gostam com a Marcha, muitos desconhecem a sua origem e se mantém céticos quanto à reformulação da palavra vadia, que não é usada de maneira pejorativa.
                No entanto, isso não é algo que preocupante. “Sempre que acontece (a passeata), surgem comentários em todos os lugares dizendo que elas são realmente vadias. Acho que isso pode acabar afastando um pouco o povo da Marcha, gente que não queira ser rotulada, mas quem se afasta da manifestação pelo nome, por exemplo, é porque não acredita realmente na causa”, diz Thais Fartes, estudante da UFF e simpatizante da organização.           

O papel da Imprensa    
                O modo como a mídia repercute as passeatas de ambas as organizações, no entanto, é preocupante. A superficialidade com que as imagens dos eventos circulam pela internet, onde sites chegam a postar galerias de fotos das marchas sem texto algum, dissemina a ideia de que os dois movimentos são iguais. “Acho que as duas aparecem como meninas sem blusa em alguma manifestação, o que é uma injustiça, já que uma não é nada parecida com a outra”, afirma Thais. Essa opinião também é compartilhada pela estudante Carolina, que acha que os meios de comunicação mostram as integrantes como “um bando de mulheres que só querem aparecer”.               
                O foco da mídia é apenas mostrar mulheres desnudas. Fotógrafos, intencionalmente, tiram fotos somente delas, mesmo quando nem todas estão sem blusa – como no caso da Marcha das Vadias – explica a integrante da Marcha, Natasha Brujas. Isso faz parecer que todas que estavam lá se encontravam na mesma situação, quando, na verdade, menos de 25% das garotas vão desse jeito.      
                A maioria das entrevistadas declarou que essa atitude adotada repele mais o público, num âmbito geral, do que o atrai. Partindo desse pressuposto, pode-se argumentar que a maneira como a sociedade reage a esse tipo de protesto, serve como uma espécie de termômetro que mostra o quão machista é a sociedade nos dias atuais. O fato de o topless ainda ser um grande tabu é um retrato de como o preconceito está presente nos tempos modernos.
                Mesmo, aparentemente, gerando uma publicidade negativa, há um consenso de que, caso as manifestações ocorressem de outra forma, elas provavelmente não teriam a atenção que tem hoje. Bárbara Falleiros diz que “foi justamente em busca dessa exposição midiática que as fundadoras (do Femen) ucranianas decidiram ficar nuas nas manifestações. O mesmo acontece com a Marcha das Vadias: se um certo número de meninas protestam sem blusa, serão estas as que fatalmente apareceram nas fotografias dos jornais. Porque o seio nu chama a atenção. A verdadeira questão a se colocar é: como este tipo de exposição pode beneficiar a causa feminista?”.             

                Ao irem sem blusa – e, consequentemente, aparecerem em fotos assim –, não estão as manifestantes dando à sociedade patriarcal o que ela quer? Pois, se não há um entendimento da intenção das garotas ao se mostrarem dessa forma, elas apenas geram um material que será consumido pela sociedade da forma que ela conhece, ou seja, sexualizada.
                 Não há controle da publicidade criada pela atenção que têm na mídia. Talvez só a exposição não seja o suficiente para conseguir criar uma discussão dos temas relacionados à mulher que estão em pauta atualmente. "Como, então deturpar o sistema para transmitir uma mensagem?", questiona Bárbara. A primeira vista, essa é uma questão que, inadiavelmente, o feminismo terá que responder, pelo sucesso e propagação do movimento.

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