Fernanda
Fantinel 2JOA
A Nova Roupa do Feminismo
Ao redor do mundo, garotas e mais garotas tiram as blusas para militar
por diferentes causas. Fotos dessas manifestações todo mundo já viu, mas pouca
gente conhece suas reais motivações. O
que está por trás desse chamado “novo feminismo” e o que ele significa para a
sociedade?
É
difícil definir o que é feminismo. Ele é contraditório, é paradoxal. Ao mesmo
tempo em que não é organizado – uma de suas matrizes base é a da defesa do ser individual
“mulher” e de suas próprias vontades, a liberdade dela em ser o que ela quiser
ser, independente da hierarquização da sociedade – é organizado, não
necessariamente de uma forma centralizada, mas sim de maneira que cada uma se
torna dona de si mesma, de suas vontades e ações. O feminismo não luta por uma
causa só – existem várias vertentes. Muitas delas, inclusive, batem de frente
uma com a outra. Ele é mutável, como a maioria dos movimentos sociais, pois tem
o objetivo de mudar estruturas inseridas na sociedade, que, por sua vez, também
mudam de acordo com o tempo. Direito ao voto, por exemplo, não é mais uma
necessidade pela qual as mulheres, na maioria dos países, precisem lutar. Isso
não quer dizer que o feminismo praticado hoje, por ter outras motivações, não seja
feminismo, pois seu cerne é o mesmo. O movimento também teve que se subdividir
de acordo com os diferentes tipos de mulheres que existem, já que é impossível
homogeneizá-las, criar um ideal de mulher que valha para todas e padronizar os
direitos que elas deveriam ter (geralmente, quando não é especificada a cor,
sexualidade ou classe social, estamos falando de uma mulher branca heterossexual
de classe média, que não vivencia vários tipos de situações em que algumas outras
se encontram, logo, não sente a necessidade de ter alguns direitos que seriam
básicos para estas).
No Brasil, o movimento feminista começou a ganhar relevância nas décadas de 1910 e 1920, com a organização das operárias e tecelãs, e a criação de grupos como a Liga Para a Emancipação Internacional da Mulher (1920) e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922), além dos primeiros esboços de manifestações a favor do voto feminino (conquistado em 1934). No entanto, quando a ditadura militar chegou ao poder, em 1964, a luta das mulheres se fundiu com a luta pela volta da democracia, e a busca por seus direitos foi deixada um pouco de lado. Só a partir da década de 1990 as mulheres voltaram ao cenário midiático, com a obtenção de novos direitos e leis direcionadas a elas.
No Brasil, o movimento feminista começou a ganhar relevância nas décadas de 1910 e 1920, com a organização das operárias e tecelãs, e a criação de grupos como a Liga Para a Emancipação Internacional da Mulher (1920) e a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922), além dos primeiros esboços de manifestações a favor do voto feminino (conquistado em 1934). No entanto, quando a ditadura militar chegou ao poder, em 1964, a luta das mulheres se fundiu com a luta pela volta da democracia, e a busca por seus direitos foi deixada um pouco de lado. Só a partir da década de 1990 as mulheres voltaram ao cenário midiático, com a obtenção de novos direitos e leis direcionadas a elas.
Atualmente
Hoje,
dois dos grupos considerados feministas que tem mais projeção na mídia nacional
são a Marcha das Vadias e o FEMEN Brazil. Ambos vieram do exterior – o
primeiro, do Canadá, e o segundo, da Ucrânia. Isso não quer dizer que sejam
completamente distantes da realidade nacional. O FEMEN, por exemplo, teve,
desde sua criação, a bandeira de acabar com o turismo sexual em seu país de
origem. Essa abordagem não foi muito difícil de adaptar à realidade brasileira,
de acordo com Sarah Winter, organizadora do movimento no país. A Marcha das
Vadias, também, não fugiu muito de seu conceito inicial ao chegar aqui.
Originou-se em Toronto, como uma forma de protesto que estudantes universitárias
encontraram para se manifestar contra um policial que disse que as garotas não
deveriam se vestir como vadias (sluts,
em inglês) para não serem estupradas.
O
FEMEN ficou conhecido no mundo todo por ter manifestantes que protestavam sem
blusa. A ideia do grupo é exatamente a de chamar a atenção da mídia, tentando
conseguir ter espaço na sociedade para discutir os direitos de mulheres e
crianças. Ao marcharem pelas ruas
gritando palavras de ordem e de topless,
essas manifestantes buscam desconstruir a ideia a qual os seios estão ligados –
como objeto sexual ou maternal – e usá-los como poder de luta. O grupo, no
entanto, vive uma situação dúbia e enfrenta críticas de outras organizações feministas,
pois, com a exposição de seus corpos as manifestantes ganham visibilidade, mas,
não ficam claras para a população as causas que defendem. Fora a isso, muitas
vezes, esta mesma população não concorda com o modo como agem. “Acredito que
num país moralista e machista como o Brasil, a nudez tenha um impacto maior,
talvez um impacto tão grande que a discussão não consiga ir além desse
aspecto”, diz Bárbara Falleiros, uma das donas do blog Subvertidas e estudante da Universidade de Paris-Sorbonne.
Morando na capital francesa,
Bárbara nota que a organização do local também é alvo de críticas,
principalmente por não ter uma mensagem muito clara. Claire Piot, militante da
associação feminista francesa Osez le
féminisme!, disse, “Os seios de fora podem ser subversivos na Ucrânia, mas,
na França, o corpo da mulher é bastante objetivado, instrumentalizado. Isso
chama a atenção, é como um eletrochoque... mas não permite convencer ninguém”. Comprovando
essa tese, um jornalista francês, não identificado, deu a seguinte declaração
ao portal Rue 89: "À força de
fotografar tanto os seios das Femen, nossa profissão esquece às vezes de falar
de seus combates, do conteúdo. Ora, estes parecem muitas vezes dispersos”.
A
sexualização e midiatização das integrantes, que ficaram mundialmente famosas por
serem muito bonitas e estarem nuas (todas as manifestantes tem que,
obrigatoriamente, protestar sem blusa), também é uma problemática que enfrentam.
As fotos dos protestos que saem na mídia, em sua maioria, são das mulheres que
se enquadram no que a sociedade atual considera ser belo – inclusive, segundo a
ex-número 2 do FEMEN Brazil, Bruna Themis, que falou com o site Opera Mundi em
2012, o FEMEN original não aceita mulheres gordas ou fora de padrões atuais de
beleza.
O site das FEMEN Ucraniano também vende moldes dos seios das participantes, o que seria, numa discussão minimamente aberta, um ato duvidoso, visto que elas lutam pela desvinculação deles como objeto sexual.
O site das FEMEN Ucraniano também vende moldes dos seios das participantes, o que seria, numa discussão minimamente aberta, um ato duvidoso, visto que elas lutam pela desvinculação deles como objeto sexual.
Marcha das Vadias
Em
contraponto, na Marcha das Vadias, as participantes podem comparecer como
quiserem – com blusa, de topless, pintadas,
com faixas ou cartazes. De acordo com Nádia Lapa, escritora do livro Cem Homens
em Um Ano, a marcha tem como objetivo mostrar que o corpo da mulher pertence
somente a ela mesma. Por isso, mesmo com críticas e possíveis desentendimentos
por parte do público, algumas meninas escolhem ir com os seios a mostra.
As
passeatas, a cada ano, contam com um número maior de pessoas, já que todos
podem participar. Carolina Silva, estudante da Faculdade Cásper Líbero,
acredita que esse seja um ponto controverso da organização. “Acho que o fato de
todo mundo poder participar tira um pouco da identidade do movimento, porque
não tem uma causa coletiva”, diz.
As
marchas são quase que totalmente organizadas pela internet, e contam com um grande
número de participantes jovens. Isso não é por acaso, opina Terezinha Vicente,
do site CIRANDA. Ela afirma que “cresce
na juventude uma consciência de não aceitar mais as regras desse Estado
mercantilizado e autodestrutivo, não aceitar mais suas imposições culturais,
econômicas”, que ditam o que o indivíduo deve “comer, vestir, consumir”.
Dos que não gostam com a Marcha, muitos desconhecem a sua origem e se mantém céticos quanto à reformulação da palavra vadia, que não é usada de maneira pejorativa.
No entanto, isso não é algo que preocupante. “Sempre que acontece (a passeata), surgem comentários em todos os lugares dizendo que elas são realmente vadias. Acho que isso pode acabar afastando um pouco o povo da Marcha, gente que não queira ser rotulada, mas quem se afasta da manifestação pelo nome, por exemplo, é porque não acredita realmente na causa”, diz Thais Fartes, estudante da UFF e simpatizante da organização.
Dos que não gostam com a Marcha, muitos desconhecem a sua origem e se mantém céticos quanto à reformulação da palavra vadia, que não é usada de maneira pejorativa.
No entanto, isso não é algo que preocupante. “Sempre que acontece (a passeata), surgem comentários em todos os lugares dizendo que elas são realmente vadias. Acho que isso pode acabar afastando um pouco o povo da Marcha, gente que não queira ser rotulada, mas quem se afasta da manifestação pelo nome, por exemplo, é porque não acredita realmente na causa”, diz Thais Fartes, estudante da UFF e simpatizante da organização.
O papel da Imprensa
O modo como a mídia repercute
as passeatas de ambas as organizações, no entanto, é preocupante. A
superficialidade com que as imagens dos eventos circulam pela internet, onde
sites chegam a postar galerias de fotos das marchas sem texto algum, dissemina
a ideia de que os dois movimentos são iguais. “Acho que as duas aparecem como
meninas sem blusa em alguma manifestação, o que é uma injustiça, já que uma não
é nada parecida com a outra”, afirma Thais. Essa opinião também é compartilhada
pela estudante Carolina, que acha que os meios de comunicação mostram as integrantes
como “um bando de mulheres que só querem aparecer”.
O
foco da mídia é apenas mostrar mulheres desnudas. Fotógrafos, intencionalmente,
tiram fotos somente delas, mesmo quando nem todas estão sem blusa – como no caso
da Marcha das Vadias – explica a integrante da Marcha, Natasha Brujas. Isso faz
parecer que todas que estavam lá se encontravam na mesma situação, quando, na
verdade, menos de 25% das garotas vão desse jeito.
A
maioria das entrevistadas declarou que essa atitude adotada repele mais o
público, num âmbito geral, do que o atrai. Partindo desse pressuposto, pode-se
argumentar que a maneira como a sociedade reage a esse tipo de protesto, serve
como uma espécie de termômetro que mostra o quão machista é a sociedade nos
dias atuais. O fato de o topless ainda
ser um grande tabu é um retrato de como o preconceito está presente nos tempos
modernos.
Mesmo, aparentemente, gerando
uma publicidade negativa, há um consenso de que, caso as manifestações
ocorressem de outra forma, elas provavelmente não teriam a atenção que tem
hoje. Bárbara Falleiros diz que “foi justamente em busca dessa exposição
midiática que as fundadoras (do Femen) ucranianas decidiram ficar nuas nas
manifestações. O mesmo acontece com a Marcha das Vadias: se um certo número de
meninas protestam sem blusa, serão estas as que fatalmente apareceram nas
fotografias dos jornais. Porque o seio nu chama a atenção. A verdadeira questão
a se colocar é: como este tipo de exposição pode beneficiar a causa feminista?”.
Ao irem sem blusa – e, consequentemente, aparecerem em fotos assim –, não estão as manifestantes dando à sociedade patriarcal o que ela quer? Pois, se não há um entendimento da intenção das garotas ao se mostrarem dessa forma, elas apenas geram um material que será consumido pela sociedade da forma que ela conhece, ou seja, sexualizada.
Não há controle da publicidade criada pela
atenção que têm na mídia. Talvez só a exposição não seja o suficiente para
conseguir criar uma discussão dos temas relacionados à mulher que estão em
pauta atualmente. "Como, então deturpar o sistema para transmitir uma
mensagem?", questiona Bárbara. A primeira vista, essa é uma questão que,
inadiavelmente, o feminismo terá que responder, pelo sucesso e propagação do
movimento.
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